A Pressa e o Coração Quente.

O post de hoje não é um conto, nem poesia, nem história inventada. Pela primeira vez eu quero falar de mim mesma, de algo que acabou de acontecer de verdade e parece um conto, cheio de poesia ou história inventada.

Hoje, chegando ao elevador da agência, preocupada com a hora e pensando em mil coisas ao mesmo tempo, ultrapasso duas pessoas que caminhavam tranquilas ao celular e me deparo com dois senhores de mais ou menos 80 e 90 anos cada um, esperando na porta.

Conversando lentamente um com o outro, não perceberam o elevador chegando. Eu, apressada como a minha geração, fiquei impaciente, esperando que vissem a chegada do elevador. Eles continuavam conversando sobre algo como “não existe isso de destino, a pessoa é quem escolhe…”

Eu, que não sei esperar como a minha geração, disse um pouco irritada “senhor, o elevador chegou”. Eles se entreolham sem pressa e um, com chapéu de praia apesar da chuva, se assusta: “Chegou!”

A porta, pesada. Ele, já sem tantas forças, tenta abrir com dificuldade e o outro me impede de me colocar rapidamente à frente para ajudar – ou para ele abrir logo- e os dois fazem como quem finalmente vão entrar no elevador.

A essa altura eu já observava a cumplicidade com que se olhavam e fiquei imaginando quantos anos já devia ter aquela amizade e pelo que ela já deve ter passado.

Pensei em quanto tempo se pode viver ao lado de alguém, seja quem for. Ou como for.

Depois, lentamente, os dois se entreolham novamente como que assustados por uma lembrança repentina e param abruptamente.

Eu, que já estava batendo os pés no chão me pergunto “o que foi dessa vez?”

Eles se colocam um de cada lado da porta, como se tivessem ensaiado, se curvam galantemente e apontam com os dois braços para dentro do elevador, ao mesmo tempo.

“Primeiro as damas, não é verdade?”

Dizem sorrindo para mim.

“Uma moça bonita entra primeiro.”

Eu, entre a surpresa, vergonha, remorso e alegria, tento devolver um sorriso que vale pelos dois que recebi. “Obrigada!” digo sem jeito e entro.

O de chapéu de praia mal consegue conter a porta do elevador enquanto tenta me seguir para dentro. Dessa vez eu ajudo e aperto para eles o andar que iam juntos.

Fico ali ouvindo o restante da conversa sobre o destino e em se conformar com a vida. Ao sair, olho para os dois e apenas digo “Boa tarde”. Eles sorriem outro para mim.

Andando até a porta da agência, vou sorrindo sozinha e com o coração bem aquecido.

Aqueles velhos amigos me fizeram sentir como uma boba, uma velha ranzinza e uma dama “bonita assim” ao mesmo tempo. Só com dois minutos de gentileza típica daquela geração que não é a minha.

Eu não quero que minha pressa em viver seja uma questão de destino, no fim, é a gente quem escolhe.

Quero anos e anos de olhares cúmplices, lentamente gentis. Simples assim.

Clarice Freire

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