Batuque de Vidro.

Gente, post um pouquinho diferente.É mais um que aconteceu comigo mesma, ainda agora.

Hoje foi um desses dias que precisei ir para o trabalho de carro. Aquele stress que todo recifense já está esburacado (hã, hã?) de saber.O caminho de poucos metros pode levar uma horinha inteira que você poderia ter chegado mais cedo, dormido mais e ali parado você fica na dúvida entre suas músicas de sempre na playlist ou as de sempre da rádio e o ar condicionado, coitado, não dá conta do recado

Pois bem. Nada mais corriqueiro e inacreditavelmente igual do que essa cena que a pessoa que vos fala acaba de descrever. Em caso de identificação, é mera recifiência. Então eu coloco aqueles óculos escuros que me fantasiam de mau humor e fico batucando na direção, pra espantar alguma coisa, porque os carros da frente não obedecem meus dedinhos nervosos.

E eis que alguns segundos me amolecem que nem aconteceria com uma pedra de gelo se eu jogasse no asfalto fumaçante pela janela:instantaneamente.

Um molequinho magrelo vem saltitante com uma caixa de Halls nas mãos. Ele não alcançava sequer as janelas. O jeito que ia de carro em carro e não durava um segundo em cada um me distraiu e parei de batucar. Acho que ohumor das pessoas não estava diferente do meu de manhã cedo. O menino estava sério, carrancudo, mas saltitante como qualquer criança ou filhote só consegue andar assim: aos pulos. Já perceberam? É impressionante.

Ele chega. Se estica todo pra colocar os olhinhos curiosos no começo do vidro do carro. E, como eu na direção, começa a batucar os dedos no vidro. Acho que não pra espantar nada, como eu, mas pra chamar minha atenção. Ri com o gesto do menino, igual ao meu. Não tinha dinheiro,portanto, comecei a batucar de volta no vidro. Ele tomou um susto e se esforçou pra me olhar pelo fumê. Provavelmente querendo julgar se eu batia no vidro com raiva ou não. Eu sorri aberto, ao contrário do meu carro, do sinal e dos outros motoristas. Ele sorriu e batucou de volta: até o sinal abrir,batucamos os dois, agora com as duas mãos e todos os dedos. Quase um maracatu a dois. Eu fazia, ele imitava e a gente ria de se acabar. O sinal abre. Eu dou tchau, ele também.

Eu sigo, ele fica.

Por alguns segundos o vidro que sempre me separa desse mundo acabou me juntando ao menino por causa de uma brincadeira boba. Na verdade eu não queria que ele passasse por mim como quem leva um “choque de não”. Mas um toque de coração, porque não? E eu fico me perguntando se eu sigo, e ele fica, pra onde ele vai depois. Espero que pra “algum lugar ao Sol” que não seja debaixo dele, vendendo bala. Não estou aqui pra fazer uma análise sociológica da minha geração acomodada que simplesmente segue com o carro após dois segundos de “caridade” e acha que mudou o mundo. Não. Isso eu falo em outras ocasiões.

Eu só queria contar pra vocês mais uma história daqueles amores efêmeros bonitos, que poderiam ter sido escritos com açúcar e seriam quentes num dia gelado. Apesar do calor do Recife, não é desse Sol que eu estou falando.
É bom encontrá-los, ter olhos pra sentir, coração pra ver e dedos pra batucar.

Clarice.

Fotos via iPhone e Instagram.

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