A Viagem de Chico Parte III – O Ar Vivente.

Pra Ler ouvindo. Essa tem sido a tilha do meu ultimamente.

Mais leve com um ar transparente, Chico continuou o caminho. Agora sem sua câmera e os cinco pães. A consciência disso o deixou repentinamente com fome e a única coisa que ainda levava era a foto do lago. Queria que aquela estrada acabasse logo. Não entendia como aquele caixeiro viajante dizia que a felicidade está na própria estrada se ele só conseguia imaginá-la acabando depressa. Uma gota gelada espetou seu nariz assustado. O céu era ameaçadoramente cinza e, por isso, Chico apressou o passo.  À sua frente, havia três opções de caminho. Nenhuma placa, nenhuma seta, nada. Chico agora tremia de frio e de fome enquanto se perguntava qual das três era a estrada para a fama. Eram todas absolutamente iguais. A chuva que antes apenas ameaçava trovejou em gotas do tamanho de melancias, deixando Chico e as três estradas praticamente invisíveis. Invisíveis.

Mas isso não era o oposto do que ele buscava? Mas estava tão frio. O que era mesmo que ele buscava? Cinco pães com queijo de cabra, só podia ser. Mas tinha isso de sobra no lago, porque então havia se jogado ao desconhecido? Não fazia sentido.

Chico não sabia. Naquela hora, ele sentia que já tinha esquecido o motivo de ter se metido na estrada. Ele só via a chuva e o frio. Esquecido, era ainda mais difícil seguir, voltar, escolher, o que queria?

Essa é a hora que a gente fica paralizado. E foi assim que ele ficou. Tirou a foto do lago do bolso, olhou como se perguntasse para onde ir, mas as respostas não vêm assim tão fácil, ele também não sabia disso até então.

Pensou então que se ficasse alí esperando, a chuva poderia formar um novo lago. Os lagos já deviam nascer com uma casa de mandeira em anexo, era assim que fazia sentido. E ele voltaria pra casa. Resolveu esperar de pé.

Dias se passaram e a água já batia na cintura de Chico. A Chuva sim que devia encontrar felicidade na estrada, porque não parava nunca, pensou ele. A casa de madeira deveria surgir a qualquer momento.

Foi quando de longe, viu um candeeiro a gás flutuante na água. O candeeiro se aproximava e uma nova figura esticava-se curiosa na direção de Chico. Ele acenou freneticamente, com medo que estivesse mesmo invisível, mas, pelo visto, a nova figura o via, pois acenou de volta. Em pouco tempo o pequeno barco estava ao lado de Chico e, apesar do escuro, ele também conseguia ver quem o conduzia.

Uma figura delicada esticava a mão com uma enorme capa de chuva vermelha. Os olhos da menina reluziam feito fogo e Chico não sabia se era culpa dela ou do candeeiro. Ia descobrir um dia pra agradecer a um dos dois. Agarrou sua mão e subiu no barco.

–        O que um menino com esse ar Vivente faz no escuro?

–        Eu não me lembro. E me desculpe, eu devo estar mais pra ar morrente depois desses dias de chuva e de fome.

–        Não acho. Você já deve ter nascido com esse seu ar Vivente, porque senão ele teria se apagado na água, mas não apagou.

Sorriu a menina. Ele não entendia o que ela dizia. Mas já o deixou com menos frio. Ela o olhava curiosa.

–        Você por acaso se chama Chico?

–        Como é que você sabe?

Isso sim era um susto.

–        Você é muito famoso na estrada. Encontrei com duas figuras que só falam de você aos quatro ventos. Falam sobre um ar inocente e outro transparente. Até ganhei um pão com queijo de cabra de um homem melodioso. O troquei por esse barco quando começou a chuva, conheço bem o céu.

Chico a olhou em silêncio e algo fazia sentido dentro dele. Mas não lembrava o que era, só sabia que, de repente, a estrada tinha acabado.

–        Você acha que o ar Vivente fica melhor assim, ou apagado, menina?

Perguntou sorridente, na surdina.

–        Assim!

–        Bom, todo ar precisa de sopro, aprenda com quem ensina.

Pra Viver, uma estrada começa quando outra termina,

Você vem comigo acender o ar Vivente e incendiar qualquer esquina?

–        Eu vou. E essa estrada vai Viver em Luz dançarina!

–        Como é seu nome, menina?

–        Meu nome é Lamparina.

E Chico achou a felicidade na estrada.

Clarice Freire.

 

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